Animais venenosos e peçonhentos costumam despertar curiosidade, dúvidas e, muitas vezes, medo. No entanto, esses organismos desempenham papéis fundamentais nos ecossistemas, especialmente no controle de populações e na manutenção do equilíbrio ambiental. Apesar dos termos “venenoso” e “peçonhento” serem frequentemente utilizados como sinônimos, há diferenças importantes entre eles. Animais venenosos são aqueles que produzem e/ou armazenam substâncias tóxicas, liberando-as passivamente por contato ou ingestão, geralmente como forma de defesa, como ocorre com os sapos-cururus do gênero Rhinella. Já os animais peçonhentos possuem estruturas especializadas, chamadas de aparelhos inoculadores, como presas, ferrões, quelíceras ou esporões, que permitem a injeção ativa da peçonha, usada tanto para defesa quanto para a captura de presas. Entre os exemplos mais conhecidos de animais peçonhentos estão aranhas, escorpiões, abelhas, vespas, formigas e serpentes. No caso específico das serpentes peçonhentas, elas contam com glândulas de veneno ligadas a dentes modificados, permitindo a inoculação eficiente da toxina. Espécies como jararacas, cascavéis e corais-verdadeiras exigem atenção especial, pois podem provocar acidentes em seres humanos, tornando fundamental o conhecimento sobre sua identificação, comportamento e formas de manejo seguro em ambientes naturais.
DIVERSIDADE DE SERPENTES PEÇONHENTAS NO BRASIL
O Brasil possui uma das maiores diversidades de serpentes peçonhentas do mundo, reflexo direto da riqueza de seus biomas e da complexidade ecológica de seus ambientes naturais. Atualmente, são reconhecidas 72 espécies de serpentes peçonhentas em território nacional, pertencentes às famílias Viperidae e Elapidae. A família Elapidae, cujos representantes são popularmente conhecidos como corais-verdadeiras, compreende 38 espécies, das quais três pertencem ao gênero Leptomicrurus e 35 a Micrurus. Já a família Viperidae, que inclui serpentes como jararacas, cascavéis e surucucus, é composta por 34 espécies: duas do gênero Bothrocophias, 30 de Bothrops, uma de Crotalus e uma de Lachesis.
CARACTERIZAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS SERPENTES PEÇONHENTAS BRASILEIRAS
Quando se trata do reconhecimento de serpentes peçonhentas brasileiras, é comum surgirem dúvidas e equívocos, tanto entre leigos quanto em material de divulgação, muitas vezes influenciados por características que não condizem com a nossa ofidiofauna. Parte desses erros se deve ao fato de que, historicamente, muitas informações sobre serpentes foram baseadas em espécies estrangeiras, cuja diversidade é muito menor e com características morfológicas distintas das espécies com ocorrência no Brasil.
A aplicação de regras simplificadas para identificar serpentes peçonhentas, como associar pupilas verticais à peçonha e pupilas arredondadas à ausência dela, ou ainda vincular escamas carenadas, cabeça triangular e cauda curta a espécies peçonhentas, não é adequada para a ofidiofauna brasileira, devido à grande diversidade e às numerosas exceções presentes no país. Um exemplo clássico é a jiboia (Boa constrictor), uma serpente não peçonhenta que possui cabeça triangular e pupilas verticais, características comumente (e erroneamente) associadas às serpentes peçonhentas.

As serpentes da família Viperidae, como as jararacas (Bothrops spp.), cascavéis (Crotalus durissus) e surucucus (Lachesis muta), compartilham caracteres morfológicos distintivos. Todavia, uma das principais características comuns ao grupo é a presença da fossa loreal, uma estrutura sensorial localizada entre os olhos e as narinas, capaz de detectar variações térmicas — essencial para localizar presas de sangue quente. Além dessa estrutura, cada gênero apresenta particularidades, como a cascavel (C. durissus) que se destaca pela cauda com chocalho formado por segmentos córneos que, ao serem agitados, produzem um som característico, usado como mecanismo de advertência contra predadores. Já a surucucu (L. muta), maior serpente peçonhenta das Américas, podendo ultrapassar três metros, possui escamas alongadas na extremidade da cauda que também emitem som quando friccionadas, embora de forma mais sutil. Por outro lado, serpentes desse grupo que apresentam a ponta da cauda sem modificações, ou seja, normal, lisa, são representantes do gênero Bothrops ou Bothrocophias, popularmente conhecidas como jararacas.

Os elapídeos são representados pelas corais-verdadeiras e apresentam um conjunto de características morfológicas distintas, como a ausência da fossa loreal, olhos pequenos e escuros, além de escamas lisas, o que facilita a diferenciação entre esses dois grupos de serpentes peçonhentas. Um ponto importante de destacar é que toda serpente com padrão de anéis vermelhos, pretos e amarelos (ou brancos) — conhecido como padrão coralino, deve ser considerada, em um primeiro momento, como uma possível coral-verdadeira, devido ao risco envolvido em uma identificação incorreta. No entanto, existem exceções a esse padrão clássico: algumas espécies de corais-verdadeiras, como a Micrurus albicintus e representantes do gênero Leptomicrurus, não exibem os anéis coloridos típicos, o que reforça a necessidade de cautela e conhecimento técnico na identificação dessas serpentes.
Considerando as características morfológicas distintas entre viperídeos e elapídeos, a dentição se destaca como um importante critério diagnóstico na identificação desses grupos. As corais-verdadeiras (Elapidae) possuem dentição proteróglifa, ou seja, apresentam presas fixas, curtas e posicionadas na parte anterior da maxila. Essas presas não são retráteis e possuem um canal ou sulco por onde o veneno é conduzido. Devido ao seu tamanho reduzido, essas serpentes geralmente necessitam manter a mordida por mais tempo para garantir a efetiva inoculação da peçonha. Em contraste, os viperídeos, como jararacas, cascavéis e surucucus, apresentam dentição solenóglifa, marcada por presas longas, retráteis e canaliculadas, também localizadas na parte frontal da maxila. Essas presas funcionam como verdadeiras agulhas, sendo capazes de se projetar para frente quando a serpente abre a boca, o que permite uma inoculação rápida e profunda do veneno, mesmo em botes curtos.
OFIDISMO NO BRASIL
O ofidismo é caracterizado pelo conjunto de manifestações clínicas resultantes da inoculação de veneno por serpentes peçonhentas. No contexto brasileiro, configura-se como um importante problema de saúde pública, especialmente em áreas rurais e de difícil acesso, onde a exposição ocupacional é mais comum e os recursos médicos são limitados.
No Brasil, os acidentes ofídicos são classificados em quatro principais grupos, de acordo com o gênero da serpente envolvida:
- Acidentes botrópicos: provocados por serpentes do gênero Bothrops and Bothrocophias (jararacas), correspondem à maior parte dos acidentes ofídicos no Brasil. Essas espécies possuem ampla distribuição geográfica e seus envenenamentos apresentam gravidade variável, com manifestações locais marcantes e efeitos sistêmicos relevantes. O veneno apresenta principalmente atividades proteolítica, inflamatória aguda, coagulante e hemorrágica.
- Acidentes crotálicos: causados exclusivamente pela espécie Crotalus durissus (cascavel), única representante do gênero no Brasil. Seus envenenamentos caracterizam-se por ação predominantemente sistêmica, com manifestações neurotóxicas, miotóxicas e coagulantes de significativa relevância clínica.
- Acidentes laquéticos: decorrentes da picada da surucucu (Lachesis muta, encontrada na região Amazônica), e Lachesis rhombeata (presente na Mata Atlântica nordestina e sudeste). Embora menos frequentes, esses acidentes podem apresentar elevada gravidade devido à ação multissistêmica do veneno. As principais atividades do veneno são: proteolítica, hemorrágica, coagulante e neurotóxica.
- Acidentes elapídicos: causados por serpentes do gênero Micrurus and Leptomicrurus (corais-verdadeiras). São relativamente raros, em razão do comportamento fossorial e discreto desses animais, mas caracterizam-se por sua potente ação neurotóxica, com risco de paralisia respiratória.
De acordo com dados da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, vinculada ao Ministério da Saúde, o ofidismo foi o quarto tipo de acidente por animal peçonhento mais notificado no Brasil em 2023, segundo registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). No referido ano, foram notificados 32.595 casos, correspondendo a 9,51% do total de registros de acidentes por animais peçonhentos. Os estados com maior número de notificações foram Pará (5.234 casos), Minas Gerais (3.410) e Bahia (3.276).
A administração precoce do soro antiofídico representa uma das estratégias mais eficazes na prevenção de injúria renal aguda (IRA), complicação frequente e potencialmente letal em acidentes causados por serpentes dos gêneros Bothrops and Crotalus. A IRA está entre as principais causas de óbito nesses casos, especialmente quando o atendimento é retardado. Dados do Sinan indicam que a demora no acesso ao atendimento médico após o acidente é um dos principais fatores associados ao aumento da taxa de letalidade por ofidismo no país.
RECOMENDAÇÕES
A maioria dos acidentes ofídicos pode ser prevenida com medidas simples de proteção e manejo ambiental. Como cerca de 80% das picadas acometem os membros inferiores, o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), como botas, perneiras e luvas de couro, é altamente recomendado em atividades rurais. A limpeza do entorno das residências — evitando acúmulo de lixo, entulho e vegetação alta — também reduz a presença de presas naturais das serpentes, diminuindo o risco de acidentes.
Em caso de acidente, o atendimento médico imediato é fundamental. Campanhas educativas são essenciais para ensinar a população a identificar serpentes peçonhentas, evitar comportamentos de risco e adotar primeiros socorros adequados. Além disso, a capacitação de profissionais de saúde, contribui para ações mais eficazes de prevenção, manejo e convivência segura entre humanos e serpentes.
CONSERVAÇÃO E PROTEÇÃO DAS SERPENTES PEÇONHENTAS7
De modo geral, as serpentes peçonhentas desempenham um papel ecológico fundamental no equilíbrio dos ecossistemas, atuando como controladoras populacionais de roedores e outros pequenos vertebrados, além de servirem como presas para diversos predadores. Sua conservação é essencial não apenas para a manutenção da biodiversidade, mas também para o avanço da ciência e da medicina, uma vez que seus venenos são fontes valiosas para o desenvolvimento de soros e potenciais fármacos. A destruição de habitats, a caça indiscriminada e a percepção negativa da população representam ameaças significativas, tornando urgente a implementação de estratégias de educação ambiental e proteção das espécies.
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