Atualmente, a incorporação da variável climática ao environmental permissing é uma exigência incontornável da boa governança pública e da gestão estratégica de riscos ambientais, sociais e econômicos. Trata-se não apenas de uma adequação normativa ao espírito do Acordo de Paris, mas de uma atualização metodológica do próprio conceito de impacto ambiental. No Brasil, a ausência de diretrizes técnicas claras e de coordenação institucional tem feito com que a discussão permaneça no plano jurídico e político, sem a necessária consolidação de procedimentos e instrumentos operacionais. O desafio, portanto, é transformar o reconhecimento da relevância do tema em práticas regulatórias consistentes, sustentadas por critérios técnicos, indicadores de desempenho e mecanismos de monitoramento integrados às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e às metas de neutralidade de carbono.
A evolução do licenciamento como instrumento de política climática
O primeiro passo para que seja possível avançar com relação ao tema é compreender que o licenciamento ambiental não precisa ser reinventado para incorporar a dimensão climática. O que se requer é o fortalecimento do elo entre a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e as políticas de mitigação e adaptação. A AIA, por sua natureza interdisciplinar, é o ponto ideal de convergência entre dados de emissões, vulnerabilidades e estratégias de adaptação. Nesse sentido, a inclusão de análises climáticas no escopo dos estudos ambientais, de forma proporcional à relevância e à escala dos empreendimentos, garante que as decisões administrativas sejam informadas por evidências científicas e por projeções consistentes de risco climático. Essa abordagem é coerente com o princípio da precaução, previsto na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), e reforçado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o dever constitucional de proteção climática.
Eixos técnicos: Mitigação e Adaptação
A inserção da variável climática deve ocorrer a partir de dois eixos complementares. No eixo de mitigação, exige-se que o empreendedor identifique, quantifique, monitore e proponha medidas para reduzir ou compensar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), considerando os três escopos definidos pelo Protocolo de Gases de Efeito Estufa (GHG Protocol). No eixo de adaptação, é fundamental avaliar a vulnerabilidade do empreendimento aos efeitos projetados das mudanças e variações climáticas, por exemplo: desertificação, elevação do nível do mar, variabilidade hídrica ou ocorrência de eventos extremos. Ambas as dimensões requerem base científica sólida, dados geoespaciais integrados, modelagem de cenários climáticos regionais e metodologias de risco, conforme as diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) e as diretrizes da OCDE para investimentos resilientes ao clima.
Termos de Referência e padronização metodologica
Um instrumento chave para viabilizar essa integração é o Termo de Referência (TR), que deve definir claramente o escopo das análises climáticas, os parâmetros metodológicos e os indicadores de desempenho esperados. Experiências internacionais bem-sucedidas tais como as do Japão, Canadá, Austrália e União Europeia, demonstram que termos de referência padronizados, ajustáveis por tipologia de empreendimento, não só reduzem a subjetividade como também aumentam a eficiência da análise ambiental. A utilização de TR que contemplem capítulos específicos de emissões e vulnerabilidade climática permitiria uma uniformização mínima nacional, sem comprometer a adaptação regional. Entretanto, a adoção de modelos “top-down”, alinhados às NDCs e calibrados por setores econômicos, é essencial para garantir coerência com as metas nacionais de redução de emissões. Portanto, a combinação equilibrada entre abordagens “bottom-up” (a partir dos projetos) e “top-down” (a partir das metas nacionais) representa a convergência ideal entre flexibilidade técnica e rigor regulatório.
Infraestrutura de dados e Interoperabilidade
Do ponto de vista da engenharia ambiental, a operacionalização desse novo paradigma depende de ferramentas quantitativas robustas. Inventários de Gases de Efeito Estufa (GEE), balanços de carbono, modelagens hidrológicas e análises de risco climático baseadas em sistemas de informação geográfica (SIG) precisam ser integrados em bases de dados nacionais interoperáveis. Nesse sentido, a criação de uma plataforma pública vinculada ao Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima) seria um avanço decisivo. Essa plataforma permitiria o cruzamento dinâmico de dados sobre emissões de GEE, vulnerabilidades, fatores de emissão e indicadores climáticos, fortalecendo a transparência, a rastreabilidade e a auditoria das condicionantes ambientais, sem contar com as oportunidades econômicas advindas do futuro Mercado de Carbono brasileiro.
Marco Regulatório de governança federativa
A construção de um marco regulatório harmonizado é, no meu ponto de vista, um requisito inadiável. A fragmentação regulatória entre estados e municípios, ainda que decorra da autonomia federativa, gera assimetrias técnicas e insegurança jurídica. Um regulamento nacional — seja via decreto da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) ou por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) — deve estabelecer diretrizes uniformes de avaliação climática, definindo metodologias, fatores de emissão, parâmetros de aceitabilidade e critérios de monitoramento. Essa padronização traria ganhos de eficiência regulatória e segurança jurídica, ao mesmo tempo em que facilitaria o alinhamento das políticas estaduais às metas de neutralidade de carbono até 2050. Assim, o licenciamento ambiental se converte de um instrumento de controle para um instrumento estratégico de implementação da política climática nacional.
Capacitação técnica e ciência aplicada
Outro componente crítico é a capacitação técnica dos órgãos licenciadores. Nenhum avanço regulatório terá efetividade se não houver equipes capacitadas em inventários de emissões, modelagem climática, análise de vulnerabilidade e gestão adaptativa ao clima. O investimento em capacitação contínua e na formação de núcleos especializados em mudança do clima dentro das instituições ambientais é condição básica para a operacionalização do licenciamento climático. A experiência internacional mostra que os países que avançaram nessa agenda — como Reino Unido e Noruega — o fizeram combinando regulação técnica, governança interinstitucional e forte base científica. Desse modo, é fundamental que exista investimento na formação de núcleos especializados em clima dentro das instituições ambientais, com suporte de universidades, centros de pesquisa e consultorias técnicas.
Conexão entre licenciamento, finanças sustentáveis e riscos ESG
A integração entre clima e licenciamento também deve dialogar com a agenda financeira e ESG. Investidores institucionais e bancos multilaterais já condicionam financiamentos à análise de riscos climáticos, conforme frameworks tais como o TCFD, ISSB/IFRS S2, GRI 302-305 e SASB Environmental Metrics. Portanto, um licenciamento ambiental que internalize parâmetros de risco climático e emissões de GEE não é apenas uma exigência ambiental, mas uma garantia de elegibilidade a financiamentos sustentáveis e redução do custo de capital. Projetos licenciados sob critérios climáticos claros e auditáveis tendem a ser mais competitivos globalmente e menos expostos a passivos regulatórios e reputacionais.
Conclusão: o licenciamento como vetor da transição justa
A integração da variável climática no licenciamento ambiental não é mais uma simples opção, trata-se de uma atualização conceitual da própria sustentabilidade regulatória. Assim, é necessário que ocorra o alinhamento dos instrumentos clássicos de controle ambiental às novas exigências de governança climática e econômica, com foco na eficiência, na transparência e na credibilidade técnica. Para que isso ocorra, é necessária uma política pública articulada nacionalmente, sustentada por dados confiáveis, capacitação institucional e participação social qualificada.
Um licenciamento climático, quando estruturado sob bases técnicas sólidas e alinhado às NDCs, tem potencial para se tornar não apenas um filtro de controle, mas um indutor da transição para uma economia de baixo carbono. Essa é uma oportunidade histórica de transformar o licenciamento em um instrumento de inovação regulatória, capaz de alinhar o discurso da sustentabilidade com a prática efetiva da proteção climática — um passo essencial para que o Brasil avance rumo a uma economia mais resiliente, inclusiva e climaticamente responsável.
Colaboraram com o artigo Daniela Pedroza conselheira e consultora da CLAM no contexto de governança corporativa e ESG e Alexandre Mello, Diretor de ESG e Assuntos Estratégicos da CLAM.