O que é um girino?
Os girinos correspondem à fase larval dos anfíbios anuros, grupo que inclui os popularmente conhecidos sapos, rãs e pererecas. Trata-se de uma fase tipicamente aquática, marcada por adaptações morfológicas e fisiológicas específicas, como a presença de cauda natatória, brânquias e um sistema digestório especializado para alimentação predominantemente herbívora ou detritívora, dependendo da espécie.

Girino de Scinax machadoi – por Jéssica Kloh
A maioria dos anuros apresenta um ciclo de vida bifásico, com uma fase larval aquática e uma fase adulta terrestre ou semiterrestre. Essa alternância de ambientes ao longo do desenvolvimento é conhecida como metamorfose, processo que envolve transformações profundas na morfologia, fisiologia e comportamento dos indivíduos.
A estratégia de vida dos anuros, com fases em ambientes distintos, torna-os particularmente vulneráveis às mudanças ambientais, como a degradação de habitats aquáticos e terrestres, a poluição hídrica e as mudanças climáticas, fatores que têm contribuído para o declínio global de muitas espécies.

Serra do Cipó – Campo Rupestre – por Jéssica Kloh
Diversidade
O Brasil é o país com a maior diversidade de anfíbios anuros do mundo, com cerca de 1.144 espécies catalogadas atualmente. Esse número continua crescendo anualmente, impulsionado pela descrição de novas espécies, especialmente em regiões ainda pouco exploradas, como áreas da região amazônica, campos rupestres e zonas de transição ecológica.
Estima-se que aproximadamente 70% dessas espécies, apresentem uma fase larval aquática, ou seja, desenvolvem-se como girinos antes de passarem pela metamorfose e assumirem a forma adulta. No entanto, a descrição e o conhecimento detalhado dessas larvas ainda são limitados, reflexo da escassez de especialistas dedicados à taxonomia e ecologia de girinos, bem como da dificuldade de coleta e manutenção dos espécimes em ambientes laboratoriais.
A diversidade dos girinos brasileiros é notável, não apenas em termos de número de espécies que apresentam essa fase, mas também quanto à variedade de formas, colorações, comportamentos e adaptações ecológicas. Esses organismos podem habitar desde poças temporárias, margens de riachos, pequenas porções de água em bromélias, até ambientes mais extremos, como solos alagadiços de altitude. Essa plasticidade ecológica se reflete em diferentes estratégias alimentares, mecanismos de defesa e interações tróficas.

Girino de Phasmahyla jandaia – por Jéssica Kloh
Importância para os corpos d´água de água doce
Ecologicamente, os girinos desempenham um papel fundamental nos ecossistemas aquáticos de água doce, atuando como verdadeiros “engenheiros ecológicos” desses ambientes. Por meio de sua atividade alimentar e metabólica, participam ativamente da ciclagem de nutrientes, consumindo detritos, algas e microrganismos e, posteriormente, excretando matéria que se torna disponível para outros organismos na cadeia trófica. Esse processo contribui para a manutenção da qualidade da água e para a produtividade dos sistemas aquáticos.
Além disso, os girinos influenciam diretamente a estrutura das comunidades aquáticas ao controlar populações de algas e microrganismos, o que pode prevenir desequilíbrios como a eutrofização. Sua diversidade de hábitos alimentares, que pode variar de espécies filtradoras, raspadoras ou detritívoras, confere ampla plasticidade ecológica a essa fase larval.
Do ponto de vista trófico, os girinos são uma importante fonte de alimento para uma grande variedade de predadores aquáticos e semi-aquáticos, incluindo insetos aquáticos, peixes, aves e répteis. Dessa forma, sua abundância e biomassa significativa nos ambientes, os tornam peças-chave nas cadeias alimentares. A complexidade ecológica dessa fase de vida dos anuros, evidencia a importância de ampliar os estudos sobre a biologia, taxonomia e ecologia de girinos, especialmente no Brasil, país com alta diversidade de anfíbios e ainda com lacunas significativas de conhecimento. Compreender essa etapa do ciclo de vida, é essencial para orientar ações de conservação, manejo de habitats aquáticos e monitoramentos ambientais.

Girino de Scinax machadoi – por Jéssica Kloh
Bioindicadores
Espécies bioindicadoras são aquelas cujas características ecológicas, permitem avaliar a qualidade ambiental de um determinado ecossistema, sinalizando condições de equilíbrio ou de degradação. Os girinos, destacam-se como excelentes bioindicadores de ambientes aquáticos, devido a um conjunto de atributos biológicos e ecológicos altamente sensíveis a perturbações ambientais.
Entre esses atributos, destacam-se os hábitos alimentares, predominantemente raspadores de substrato e filtradores. Ao se alimentarem de uma ampla variedade de itens, como algas, fungos, matéria vegetal e detritos orgânicos, os girinos estão expostos à ingestão de substâncias potencialmente tóxicas presentes no ambiente.
Por meio do processo de bioacumulação, esses contaminantes, como os metais pesados (por exemplo, mercúrio e chumbo), podem se concentrar em seus tecidos, permitindo que análises químicas revelem o grau de poluição dos corpos d’água.
Adicionalmente, sua alta permeabilidade cutânea, característica típica dos anfíbios, os torna particularmente sensíveis a alterações físico-químicas da água, como variações de pH, temperatura, turbidez e à presença de compostos químicos como pesticidas, fertilizantes e efluentes industriais.
Por esse motivo, respondem de forma rápida e mensurável a perturbações ambientais, sendo úteis tanto para o monitoramento de impactos pontuais, quanto para avaliações de longo prazo em programas de biomonitoramento.
Assim, a presença, abundância, diversidade e até o desenvolvimento anormal de girinos em determinados habitats, podem funcionar como indicadores da integridade ecológica dos ecossistemas aquáticos. Esses dados, quando interpretados em conjunto com análises físico-químicas da água e informações sobre o uso do solo e da vegetação ripária, fornecem uma base sólida para o diagnóstico ambiental e o planejamento de ações conservacionistas.

Girino de Scinax longilineus – por Jéssica Kloh
Conservação
Estudos têm demonstrado que algumas espécies de girinos, associadas a ambientes de Campos Rupestres, apresentam hábitos alimentares atípicos, incluindo a ingestão de pólen, proveniente da vegetação ripária adjacente. Essa adaptação alimentar, evidencia não apenas a plasticidade ecológica desses organismos, mas também reforça a importância funcional das matas ciliares como fonte de recursos alimentares indiretos para a fauna aquática.
A vegetação ripária, além de contribuir para a estabilidade das margens e regulação microclimática dos corpos d’água, atua como importante elo entre os ambientes terrestres e aquáticos, oferecendo matéria orgânica, sombreamento e abrigo. A conservação desses ambientes, portanto, é fundamental para a manutenção das cadeias tróficas locais e da diversidade de anuros, especialmente em ecossistemas sensíveis como os Campos Rupestres, onde espécies endêmicas e com nichos ecológicos restritos, são frequentemente registradas.
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