Apesar de microscópicas e pouco conhecidas fora do meio científico, as cianobactérias estão entre os seres vivos mais antigos do planeta — e talvez entre os mais determinantes. Também chamadas de algas azuis, as cianobactérias surgiram há cerca de 3,5 bilhões de anos e, como organismos fotossintetizantes, foram responsáveis pela oxigenação da atmosfera primitiva, criando as condições para o surgimento da vida como conhecemos.
Esses organismos possuem ampla distribuição nos ambientes aquáticos e elevada capacidade de adaptação a ambientes extremos, podendo ser encontrados em locais com altas concentrações de metais pesados, baixo oxigênio e grandes variações de temperatura. Em razão do seu potencial tóxico e capacidade de formar florações, as cianobactérias estão sempre em pauta de discussão no cenário ambiental e socioeconômico.
Contudo, em meio às implicações relacionadas às mudanças climáticas aceleradas, têm-se observado que algumas espécies de cianobactérias apresentam potencial de mitigar os impactos do aquecimento global, e outras se proliferam de forma descontrolada, desencadeando desequilíbrios ecológicos e riscos à saúde pública. Assim, surge o questionamento: estamos diante de aliadas ou inimigas?

Jusante do reservatório da Usina Hidrelétrica Theodomiro Carneiro Santiago.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E A PROLIFERAÇÃO DE CIANOBACTÉRIAS
As mudanças climáticas têm intensificado a ocorrência das chamadas florações, ou bloom, de cianobactérias em diversos ecossistemas aquáticos ao redor do mundo. Um estudo recente na Coreia do Sul analisou dados de densidade celular de Microcystis spp. em rios temperados entre 2016 e 2022. Os pesquisadores observaram que o aquecimento global está associado ao início mais precoce e à extensão da duração das florações de cianobactérias, o que pode causar impactos na saúde pública e no funcionamento dos ecossistemas aquáticos.
Em contrapartida, estudos conduzidos nas lagoas salgadas do Pantanal, destacaram que o aumento da temperatura pode inibir a reprodução de certas espécies de cianobactérias, como Anabaenopsis elenkinii e Limnospira platensis. Isso sugere que as respostas das cianobactérias às mudanças climáticas podem variar conforme a espécie e o ecossistema.
Esses estudos evidenciam a complexidade da relação entre cianobactérias e mudanças climáticas, ressaltando a necessidade do monitoramento contínuo e estratégias de gestão adaptativas para mitigar os impactos associados.
CONSEQUÊNCIAS ECOLÓGICAS E RISCOS À SAÚDE PÚBLICA
A proliferação descontrolada de cianobactérias, pode ocasionar a redução da biodiversidade aquática por meio da cobertura do espelho d’água -impedindo a passagem de luz, e da competição por nutrientes. Além disso, quando essas florações colapsam, ocorre uma grande demanda de oxigênio para decomposição da biomassa, causando a depleção do oxigênio na água. Esse processo ameaça peixes, crustáceos e outros organismos, gerando zonas mortas em lagos, represas e até regiões costeiras.
Embora todas as espécies de cianobactérias apresentem potencial para a produção de toxinas, algumas são conhecidamente tóxicas e ameaçam diretamente a saúde humana, produzindo as chamadas “cianotoxinas”. O contato com a água contaminada por cianotoxinas pode causar desde irritações dérmicas até danos hepáticos e neurológicos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), blooms de cianobactérias estão entre os principais motivos de interdição de reservatórios de água em várias partes do mundo.
CIANOBACTÉRIAS COMO INDICADORAS AMBIENTAIS E SOLUÇÕES SUSTENTÁVEIS
Apesar dos riscos e impactos associados às florações, as cianobactérias também têm um papel promissor no enfrentamento das mudanças climáticas. As cianobactérias são excelentes bioindicadores, e monitorar sua abundância e diversidade pode fornecer dados sobre qualidade da água, processos eutróficos e impactos climáticos locais em ambientes aquáticos.
Além disso, a biotecnologia ambiental também segue explorando a possibilidade do uso das cianobactérias com várias aplicações potenciais sustentáveis, como a fixação de CO2, produção de biocombustíveis, e biorremediação. No entanto, esses usos requerem ainda muitos debates éticos e ecológicos acerca dos riscos envolvidos no manejo das cianobactérias.
AFINAL DE CONTAS: ALIADAS OU INIMIGAS?
O fato é que as cianobactérias estiveram presentes no início da vida como conhecemos e continuam moldando os ecossistemas aquáticos em pleno século XXI. Sua relação com as mudanças climáticas é complexa: em alguns contextos, funcionam como aliadas ambientais, auxiliando na fixação de carbono, no ciclo do nitrogênio e em possíveis soluções tecnológicas sustentáveis. Em outros, tornam-se indicadoras de desequilíbrio, florescendo descontroladamente, prejudicando ecossistemas e ameaçando a saúde pública.
A pergunta final, portanto, não é se as cianobactérias são “boas” ou “ruins”, mas como nós, humanos, lidamos com os sistemas naturais. O avanço das mudanças climáticas, causado em grande parte pelas nossas ações, redefine o comportamento desses microrganismos e revela os limites do planeta diante da exploração desmedida. Portanto, monitorar e entender as cianobactérias não é apenas uma curiosidade científica, mas um chamado à responsabilidade coletiva diante de alterações tão relevantes para o ecossistema.