Mitos populares sobre a fauna brasileira: o que a ciência explica
A fauna brasileira é uma das mais diversas do mundo, abrigando inúmeras espécies essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas. No entanto, mitos como “todas as cobras são venenosas” ou “morcegos são ratos velhos que dão asa” ainda são bastante comuns, dificultando a valorização e a conservação desses animais.
Essas ideias surgiram historicamente como tentativas humanas de explicar fenômenos naturais desconhecidos, associando comportamentos ou características de animais a superstições, simbolismos culturais ou crenças populares. Com o tempo, essas concepções equivocadas se enraizaram e, muitas vezes, persistem até hoje, reforçando medos e preconceitos infundados.
Desmistificar essas ideias sobre a fauna brasileira com informações científicas é essencial para reconhecer a riqueza natural do país, promover o respeito à vida selvagem e fortalecer ações de conservação, garantindo que os animais continuem desempenhando seus papéis vitais nos ecossistemas.
Avifauna: mitos e verdades sobre aves brasileiras
Avifauna
Um exemplo clássico é o da coruja: seu canto noturno é frequentemente associado a presságios negativos, mas, na realidade, trata-se apenas de uma forma natural de comunicação. Ele serve para marcar território, alertando outras corujas de que a área já está ocupada, e para atrair parceiros durante a época reprodutiva. Cada espécie possui um canto característico, que pode variar de pios longos e graves a sons curtos e repetitivos. Além disso, a atividade noturna e os grandes olhos, adaptados para enxergar em baixa luminosidade, contribuem para o ar de mistério que envolve essas aves da fauna brasileira.
Outro mito comum envolve o joão-de-barro (Furnarius rufus), que é conhecido por construir ninhos em formato de forno. Ao contrário da crença popular, ele não fecha a entrada para prender a fêmea; a abertura permanece livre para a circulação do casal, que trabalha em conjunto na construção e manutenção da estrutura e o formato serve para proteger o ninho contra predadores e intempéries.

Urubu-rei – por Rodolfo Frias
O urubu-rei (Sarcoramphus papa) é uma das aves mais imponentes das Américas. A aparência marcante e o porte robusto fizeram com que fosse visto, em muitas culturas indígenas, como uma ave de prestígio ou mesmo de caráter sagrado.
O termo de “chefe dos urubus” se popularizou justamente por essa imponência e pelo fato de a espécie, graças ao tamanho maior e ao bico extremamente forte, ser capaz de rasgar carcaças de couro mais rígido que outros urubus não conseguem acessar de imediato.
Apesar disso, não existe uma hierarquia formal entre as espécies necrófagas. O que acontece é um tipo de facilitação ecológica: o urubu-rei abre a carcaça e, em seguida, outras espécies menores, como o urubu-comum (Coragyps atratus) e o urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura), conseguem se alimentar.
Esse comportamento colaborativo involuntário pode ter reforçado a percepção de que o urubu-rei exerce uma liderança natural sobre os demais. O tucano é conhecido principalmente por seu bico grande, colorido e inconfundível. Esse bico, que pode chegar a representar até um terço do comprimento total do animal, desperta curiosidade e mitos sobre seu uso agressivo para atacar predadores ou rivais. Na verdade, o bico do tucano não é uma arma ofensiva. Ele é relativamente leve, possui uma estrutura óssea interna cheia de câmaras de ar, e é mais adaptado para funções como alcançar frutos em galhos finos, manipular alimentos, e até para regular a temperatura corporal do animal, funcionando como um eficiente radiador térmico.
Embora o tucano possa usar o bico para se defender, batendo-o ou empurrando algo que considera uma ameaça, ele raramente o utiliza para atacar com força ou ferir.

Tucano – por Lucas Porto
Herpetofauna: cobras, jiboias, sapos e lagartixas
Quando o assunto são as cobras, um mito bastante difundido na é o de que todas são venenosas. Na realidade, apenas uma pequena parcela das espécies da fauna brasileira possui veneno capaz de representar risco significativo aos seres humanos. Muitas serpentes, como a jiboia (Boa constrictor), capturam e matam suas presas por constrição enrolando-se ao redor delas e interrompendo a respiração; a grande maioria é inofensiva.
Um outro mito bastante comum é que a jiboia pode engolir um adulto humano inteiro. Na realidade, embora as jiboias sejam capazes de capturar e consumir animais relativamente grandes em comparação ao seu tamanho corporal, como capivaras e porcos-do-mato, elas não têm capacidade física para engolir uma pessoa adulta. O diâmetro da boca e o comprimento do corpo limitam o tamanho da presa que podem ingerir. Além disso, jiboias costumam evitar confrontos com humanos e preferem fugir a atacar, a menos que se sintam ameaçadas ou acuadas.
Já no caso dos sapos, persiste a velha crença de que eles “jogam leite” quando ameaçados. Isso é apenas uma lenda: o que realmente acontece é que essas espécies liberam, por meio da pele, secreções de aspecto esbranquiçado e consistência viscosa, ricas em substâncias tóxicas que funcionam como mecanismo de defesa contra predadores.
Já a lagartixa não é um “bebê” de um lagarto maior, mas sim um grupo de espécies distintas, de pequeno porte, extremamente adaptadas à vida em áreas urbanas e naturais. Elas possuem corpo delicado, cauda fina e grande agilidade, conseguindo escalar paredes lisas e até caminhar de cabeça para baixo graças a minúsculas estruturas adesivas em seus dedos, chamadas lamelas.
Ao contrário do que alguns pensam, não são perigosas: alimentam-se principalmente de insetos, como mosquitos e baratas, atuando como importantes aliadas no controle de pragas domésticas.
Mastofauna: mamíferos e suas curiosidades
Falando em voadores, os morcegos são muitas vezes confundidos com “ratos voadores”, mas são mamíferos únicos, pertencentes a uma ordem diferente dos roedores. Só algumas poucas espécies se alimentam de sangue, enquanto a maioria prefere insetos, frutas, néctar ou outros animais. E, ao contrário do que se diz, os morcegos não são cegos; eles têm visão, e algumas espécies enxergam, surpreendentemente bem.
Um exemplo é o morcego-da-cara-branca (Artibeus lituratus), que consegue perceber cores, inclusive na faixa do ultravioleta. Essa habilidade é especialmente útil para localizar frutas maduras e flores noturnas. Além da visão, os morcegos contam com a ecolocalização um sistema natural de “sonar” que emite sons de alta frequência e interpreta o eco refletido nos objetos permitindo que naveguem e caçam com precisão mesmo na completa escuridão.
Os ratos apesar de serem frequentemente associados a doenças, nem todas as espécies transmitem enfermidades aos seres humanos. Na verdade, apenas algumas, como o rato-preto (Rattus rattus) e o rato-marrom (Rattus norvegicus), que vivem próximas a áreas urbanas, podem ser vetores de doenças importantes, como leptospirose e hantavirose.
É importante destacar que essas espécies são exóticas, ou seja, não são naturais do Brasil, mas foram introduzidas em outras regiões do mundo. Porém, isso não justifica demonizá-los: esses animais são extremamente inteligentes, capazes de aprender rapidamente, resolver problemas e se adaptar a ambientes variados, desde áreas naturais até complexos centros urbanos.
Já a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) detém o título de maior roedor do planeta. Impressiona pelo tamanho, podendo atingir até 1,3 metro de comprimento e pesar entre 50 e 60 quilos embora alguns exemplares ultrapassem esse peso. Originária das regiões tropicais da América do Sul, a capivara é um mamífero semi-aquático que habita margens de rios, lagos, pântanos e áreas alagadas. Herbívora, alimenta-se principalmente de gramíneas, plantas aquáticas e frutos, contribuindo para o equilíbrio dos ecossistemas ao controlar a vegetação e servir de alimento para predadores naturais, como onças e jacarés.
Outro animal famoso pelo seu ritmo lento é o bicho-preguiça, frequentemente associado à ideia de que dorme até 20 horas por dia. Embora essa crença seja bastante difundida, estudos recentes mostram que o tempo de sono varia conforme a espécie e o ambiente. Existem duas famílias principais: os de dois dedos (Choloepus) e os de três dedos (Bradypus), cujos comportamentos diferem. Em geral, eles dormem entre 8 e 15 horas por dia, dependendo de fatores como condições ambientais, disponibilidade de alimento e presença de predadores.
Outro fato curioso é que os bichos-preguiça descem das árvores para realizar suas excreções apenas uma vez por semana. Isso acontece porque, além de terem um metabolismo lento devido à dieta baseada em folhas, ficam mais vulneráveis à ação de predadores quando estão no solo. Além do sono prolongado, eles passam grande parte do tempo imóveis, o que reforça a impressão de lentidão extrema.
Essa estratégia é uma adaptação evolutiva para economizar energia, já que sua alimentação é pobre em calorias e nutrientes. A lentidão também ajuda a evitar a atenção de predadores, que têm dificuldade em detectá-los quando permanecem camuflados entre as copas das árvores.
Ictiofauna: gigantes e os predadores dos Rios
O pirarucu (Arapaima gigas) é considerado um dos maiores peixes de água doce do mundo, podendo chegar a 3 metros de comprimento e pesar mais de 200 quilos. Além do tamanho impressionante, ele possui uma característica única: é um peixe pulmonado. Isso significa que, além de respirar pela brânquia como a maioria dos peixes, também utiliza uma bexiga natatória modificada que funciona como pulmão, permitindo-lhe respirar ar atmosférico.
Essa adaptação é fundamental para sobreviver em águas pobres em oxigênio, comuns em lagos e igarapés da Amazônia. Na cultura amazônica, ele é conhecido como “gigante das águas” e possui grande valor econômico, sendo fonte de alimento e renda para muitas comunidades ribeirinhas.
A piranha-vermelha (Pygocentrus nattereri) é um dos peixes mais cercados de mitos. É comum ouvir que todas as piranhas atacam pessoas, mas na realidade a maioria das espécies apresenta comportamento pacífico e raramente representa perigo.

Pygocentrus nattereri – por Ana Paula Chaves
As piranhas só atacam humanos em situações de estresse extremo, como quando estão em épocas de seca, com escassez de alimento, ou quando percebem sangue e agitação na água. Mesmo assim, os ataques são localizados e raramente fatais. Na verdade, a dieta das piranhas é bastante variada: muitas se alimentam de frutos, sementes, crustáceos e restos orgânicos, desempenhando um papel essencial na limpeza dos rios e na dispersão de sementes.
O tucunaré (Cichla sp.) é um peixe muito valorizado na pesca esportiva, conhecido pela sua força e resistência durante a captura. Muitas histórias populares exageram seu comportamento, afirmando que ele pode perseguir ou até morder pessoas. No entanto, isso não é verdade: o tucunaré é um predador especializado em peixes menores e invertebrados aquáticos, e não representa ameaça direta aos humanos.
Sua fama se deve ao fato de ser um animal extremamente territorial, defendendo com vigor seu espaço e ninho contra intrusos. Além de sua importância para o turismo de pesca, o tucunaré tem papel ecológico crucial, regulando as populações de peixes em rios e lagos, ajudando a manter o equilíbrio das comunidades aquáticas.
Como saber a Verdade Sobre a Fauna Brasileira
O primeiro passo para combater mitos é recorrer à ciência, que por meio de métodos rigorosos de observação e análise, fornece informações precisas sobre o comportamento, a ecologia e a importância dos animais. Também vale observar a natureza com atenção e respeito seja em parques, reservas ou no quintal para conhecer de perto o comportamento real das espécies. Por fim, é essencial cultivar o espírito crítico: questione se a informação faz sentido, tem respaldo científico e quem a divulga. Assim, fortalecemos uma cultura baseada em conhecimento verdadeiro, que valoriza e protege a fauna brasileira.
Equipe Clam Fauna – Energia
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